O dilema a seguir foi adaptado do livro: "O Porco Filósofo", de Julian Baggini
Como muitas pessoas casadas por muitos anos, Flávio estava entediado com seu relacionamento. Não havia mais paixão. Na verdade, Flávio e sua esposa quase não dormiam mais juntos. Entretanto, Flávio não tinha qualquer intenção de deixar sua mulher. Ele a amava e ela era uma mãe excelente para seus filhos.
Ele sabia muito bem qual a solução costumeira para esse problema: ter um caso. Você simplesmente aceita que sua mulher satisfaz algumas de suas necessidades, e sua amante, outras. Mas Flávio na verdade não queria trair a esposa, e ele sabia que ela não ia conseguir lidar com um relacionamento aberto, mesmo que ele conseguisse.
Então quando Flávio ouviu falar da Amante Virtual Ltda ("Melhor do que de verdade!"), ele pensou seriamente no assunto. A empresa oferecia a oportunidade de manter um caso virtual. Não ciber-sexo manual com uma pessoa do outro lado da conexão por computador, mas um ambiente de realidade virtual no qual você "dormia" com uma pessoa totalmente simulada.
A sensação seria a mesma de sexo real, mas, na verdade, todas as suas experiências seriam geradas por computadores que estimulariam seu cérebro para fazer com que parecesse a você como se estivesse fazendo sexo. Todas as emoções de um caso, mas sem uma terceira pessoa, e, portanto, sem uma infidelidade real. Por que ele diria não?
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Por que a infidelidade nos incomoda? Algumas pessoas dizem que não deveria, e que isso acontece assim apenas porque somos culturalmente condicionados a expectativas fora da realidade de monogamia. Sexo e amor são bem diferentes, e somos tolos se deixarmos que um elo de afeição seja rompido pelo ato de motivação biológica da cópula. Se o desejo pela monogamia é um artefato da cultura, ele tem, todavia, raízes bastante profundas.
Muitos que experimentaram a vida em comunidades de amor livre ou tentaram um swing disseram não conseguir evitar ter ciúmes quando outros dormiam com as pessoas que amavam. Os entraves e dificuldades que nos dizem alegremente para jogar fora parecem ser mais que simples aberrações psicológicas a serem superadas. Então, se a infidelidade provavelmente continuará a ser um problema para a maioria, por que ela nos incomoda?
Imaginar como iríamos nos sentires se nossos parceiros usassem os serviços da amante virtual pode nos ajudar a responder a essa pergunta. Se não tivermos qualquer objeção ao ciber-sexo, isso sugeriria que o fator crucial é o envolvimento de outra pessoa. Nosso relacionamento mais íntimo deve ser um relacionamento de duas pessoas, e exclusivo. A monogamia tradicional é o que queremos ver mantido. Mas se nos opuséssemos ao caso virtual, isso pareceria indicar que, na verdade, não é o papel da terceira parte o crucial.
O que causa dor não é voltar-se para outra pessoa, mas dar as costas para o relacionamento. Sob esse ponto de vista, quando Flávio procura um computador para excitá-lo, está sinalizando que parou de ver a esposa como uma pessoa com quem ele deseja expressar sua sexualidade.
Um caso normalmente é um sintoma dos problemas existentes em um relacionamento, não a primeira causa deles. Isso se encaixa no diagnóstico da fonte do desconforto de Flávio com sua amante virtual. Pois é verdade que, mesmo antes de se conectar pela primeira vez a esse estímulo provocante, ele já havia parado de ver sua mulher sexualmente do jeito que fazia antes.
E por isso o caso virtual não é um meio de lidar com o problema básico, mas de evitá-lo. No mundo real, as razões por que a infidelidade nos incomoda são complexas, e a pessoa que se opõe a um amante virtual pode se opor com ainda mais força a um caso de carne e osso. O que o caso de Flávio nos permite fazer é focar nossa atenção em apenas um aspecto da infidelidade: até que ponto ela é uma rejeição de nosso relacionamento mais valioso.
As relações humanas éticas sempre serão uma relação de sujeito com sujeito e nunca de sujeito com objeto.
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