O dilema a seguir foi adaptado do livro: "O Porco Filósofo", de Julian Baggini e chama-se “Quando não há vencedores”.
O soldado Boris estava prestes a fazer algo horrível. Ele recebera ordens de primeiro estuprar e depois assassinar a Yana, prisioneira de guerra, que para ele, não passava de uma soldada inimiga que cuidava dos rádios. Não havia dúvida em sua mente de que aquilo seria uma grande injustiça e completamente desnecessário.
Mas ao pensar rapidamente sobre aquilo, viu que não tinha escolha além de ir em frente. Se obedecesse à ordem, poderia tornar aquilo o menos doloroso possível para a Yana, assegurando-se de que ela não sofresse mais que o necessário. Se não obedecesse à ordem, ele próprio seria morto e a Yana ainda assim seria estuprada e morta, mas provavelmente com maior violência. Era melhor para todo mundo se ele fosse em frente.
Seu raciocínio parecia bem claro, mas é evidente que isso não o deixou tranquilo. Como ele podia, ao mesmo tempo, fazer o melhor possível naquelas circunstâncias e, ainda assim, algo terrivelmente errado?
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Se eu não fizer, outro vai fazer. Falando de maneira geral, essa é uma desculpa muito fraca para fazer algo errado. Você é responsável por seus erros, independentemente do fato de que outros fariam o mesmo, de qualquer maneira. Se encontrar um conversível esportivo com a chave na ignição, entrar e sair dirigindo, sua ação não deixa de ser furto só porque era uma questão de tempo antes que outra pessoa fizesse o mesmo.
No caso de Boris, a justificativa tem uma diferença sutil, mas muito importante. Pois o que ele diz é o seguinte: “Se eu não fizer isso, outra pessoa fará com consequências muito maiores.” Boris não apenas está resignado em relação ao mal que virá; está tentando se assegurar de que o melhor possível — ou o menos ruim — vai acontecer.
Normalmente, seria perfeitamente ético fazer todo o possível para evitar o máximo de dano. O melhor que Boris pode fazer é salvar a própria vida e fazer com que a morte da prisioneira seja a menos dolorosa possível. Mas esse raciocínio o leva a participar de estupro e assassinato, o que, sem dúvida, nunca pode ser a coisa eticamente certa a fazer.
É difícil resistir à tentação de imaginar uma terceira possibilidade —talvez apenas matar a prisioneira e a si mesmo. Mas devemos resistir, pois nesse dilema nós controlamos as variáveis, e o que estamos perguntando aqui é o que faríamos se só houvesse duas possibilidades: cumprir a ordem ou se recusar a fazê-lo.
Toda a questão de estabelecer o dilema dessa forma é nos forçar a encarar de frente o problema ético e moral, e não imaginar uma maneira de evitar fazê-lo. Algumas pessoas podem defender que há ocasiões em que é impossível fazer a coisa certa. Se você estiver condenado da mesma forma por fazer ou não fazer, o pensamento antiético e o agir imoral é inevitável.
Em tais circunstâncias, devíamos buscar a opção menos ruim. Isso nos permite dizer que Boris ao mesmo tempo faz o melhor possível e erra, Mas essa solução apenas cria um problema diferente, se Boris fez o melhor que pôde, então como podemos culpá-lo ou puni-lo por isso? E se ele não merece culpa ou punição, será que o que ele fez não foi errado?
Talvez, então, a resposta seja que o ato pode ser errado, mas a pessoa que o cometeu não possa ser responsabilizada. O que ele fez era errado, mas a pessoa que o fez não pode ser culpada. A lógica resiste. Mas será que reflete a complexidade do mundo ou é apenas uma distorção sofística para justificar o injustificável?
A alternativa é dizer que o fim não justifica os meios. Boris devia se recusar a cumprir a ordem. Ele vai morrer e o prisioneiro sofrerá ainda mais, mas é a única escolha ética e moral disponível para ele. Isso pode preservar a integridade de Boris, mas existe objetivo maior do que salvar vidas e aliviar o sofrimento?
E se todos os soldados largassem as armas e uniformes e abandonassem a guerra, mesmo que alguns fossem punidos? A solução desses e outros problemas éticos e morais, passa pela consciência individual e do repertório de cada um.
Na verdade, para as coisas erradas que fazemos, sempre temos justificativas. Veja o exemplo das empresas corruptas na operação Lava-jato: Odebrecht, Camargo Correia, OAS e assim por diante. Com certeza vários funcionários sabiam dos (estupros) esquemas e não denunciaram. Suas desculpas eram: preciso de emprego, tenho medo de denunciar, não adianta fazer nada e assim por diante.
Na verdade, toda organização que faz algo imoral e antiético “estupra” alguém todos os dias. E o pior, quem faz parte dessa organização, participa desse “estupro”.
A nossa reflexão de bem comum (ético) e o agir certo e errado (moral), sempre segue a ordem dos círculos concêntricos, ou seja, quando você atira uma pedra no meio de um lago, você verá formar o primeiro círculo e depois outro, depois outro e assim por diante até que os círculos se dissipem ou encontre a margem. Chamamos isso de círculos concêntricos.
O primeiro círculo é o seu umbigo, ou seja, você cuidará apenas de você e procurará levar vantagem em situações semelhantes do dilema. O segundo, terceiro e quarto círculos ainda cuidará apenas dos seus interesses mais amplos e da sua família, parentes amigos. Você só vai começar a pensar no outro com um ser humano sujeito e não objeto, lá para quinto, sexto, sétimos círculos. Esses círculos mostram apenas qual é o repertório ético e moral que você tem, ou não tem.
A solução do conflito entre Rússia e Ucrânia, na minha opinião, passa pela evolução do repertório ético e moral dos soldados e suas decisões ética e morais no campo de batalha. Não passa pelos Generais, comandantes e presidentes. Essas caras querem a guerra por outros motivos não éticos. E nada vai fazer mudá-los de opinião. Lembrando que, eles estão se lixando pelas coisas que o resto do mundo está fazendo e prometendo fazer, que é quase nada. O mundo se porta como os demais soldados: vendo Boris estuprar e matar Yanca fazendo apenas coisas insignificantes para ficar bem na foto.
Você também se comporta da mesma forma quando trabalha numa empresa imoral e antiética.
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